Escrito por: Elara Leite

Supervisor técnico do DIEESE analisa MP 927

A MP 927/20, em tramitação desde o dia 22 de março, pretende flexibilizar as leis trabalhistas durante o período de pandemia pelo coronavírus.

Pablo Jacob

       A MP 927/20, em tramitação desde o dia 22 de março, pretende flexibilizar as leis trabalhistas durante o período de pandemia pelo coronavírus. Conforme a tramitação de Medidas Provisórias, o prazo para votação é de sessenta dias, prorrogável por mais 60 dias. Se não for apreciada em 45 dias, entrará em regime de urgência. Se não for votada em 120 dias, perderá a validade e todos os seus termos serão revogados. No entanto, até isso acontecer, seus dispositivos permanecem válidos.

                O supervisor técnico do DIEESE na Paraíba e Rio Grande do Norte, economista Renato de Assis, analisou os itens da MP e concluiu que o governo pretende colocar na conta do trabalhador a crise gerada pela pandemia do coronavírus.

Ele ressalta que, nos últimos dias, diante da crise causada pelo coronavirus, diversos países vêm anunciando medidas para a manutenção das atividades empresariais, bem como a sustentação do emprego e da renda dos trabalhadores, tanto formais, como informais. Na Holanda, por exemplo, para as empresas aderirem aos pacotes anunciados pelo governo, precisam garantir que não demitirão nenhum funcionário por razão econômica. Nos EUA, em um pacote de US$ 2 trilhões, será garantida uma renda mínima de até US$ 3 mil para as famílias, além de um aumento no prazo e no valor do seguro desemprego.

Na contramão, o Brasil vem anunciando, na análise de Renato, “medidas trabalhistas para enfrentamento da crise epidemiológica mundial, que mais parecem uma “colcha de retalhos”, cujas costuras não possuem sustentação”.

“A princípio, foram estabelecidas vantagens e facilidades para os empregadores alterarem os contratos de trabalho unilateralmente ou mediante acordo individual. Esses novos contratos que serão válidos durante o período de estado de calamidade, não trazem qualquer obrigação de efetivamente manter os postos de trabalhos no decorrer da crise”, afirma Renato em documento enviado à CUT-PB.

O economista alerta que as medidas apresentadas pelo governo não trazem nenhum direcionamento para as empresas em relação às condições de vida e de segurança do trabalhador. Além disso, não há medidas compensatórias, seja das empresas ou do Estado, para salvaguardar aqueles que permanecem em postos de trabalho.

“As medidas só atenderam ao setor empresarial, se baseando unicamente na redução das prerrogativas dos trabalhadores, das regras que regulam a duração e a execução da jornada, da concessão de férias, da organização de turnos de revezamento e da vigência dos acordos e convenções coletivas”, lamenta Renato.

Ele acrescenta ainda que a negociação individual entre empregado e empregador é totalmente desequilibrada em favor desse último, o que se acentua ainda mais num momento de crise e desemprego. “Na prática, a renegociação dos contratos se constitui em carta branca para os empregadores imporem os próprios interesses em detrimento dos trabalhadores, assegurando ainda mais esse presente para os empregadores, o governo retira totalmente o direito dos sindicatos de representarem seus trabalhadores”, ponderou.

Adicionalmente, Renato observa que a MP não prevê como os empregadores deveriam agir para conduzir o trabalho e a produção do que for preciso manter, sem que os trabalhadores adoeçam.

Na primeira edição da MP, no artigo 18, estava prevista a suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses, porém foi retirado pela MP 928, após receber duras críticas por parte do Senado, da Câmara e das centrais sindicais. O artigo pretendia suspender o contrato por até 4 meses com direcionamento para cursos ou programas de qualificação não presencial, sem necessidade que o trabalhador recebesse sua remuneração, salvo os casos de benefícios que o empregador “voluntariamente” quisesse fornecer. Esse artigo ainda definia que não haveria concessão da bolsa-qualificação ou de bolsa correspondente ao seguro desemprego durante o período do afastamento. A MP não garantia que o contrato de trabalho suspenso não poderia ser rescindido durante ou após a suspensão.

Para o economista, a retirada do artigo 18, é insuficiente, caso permaneça em vigor o artigo 2 que diz que durante o estado de calamidade pública, o empregado e o empregador poderão celebrar o acordo individual escrito que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais.

Algumas medidas que vem sendo adotadas tendem a minimizar os efeitos dessa MP aos trabalhadores, como a recém-aprovada renda mínima para trabalhadores informais e micro empreendedores individuais. Aprovada no Senado nesta quarta-feira (22), o Projeto de Lei segue para sanção presidencial.  

Confira alguns dos itens mais prejudiciais ao trabalhador contidos na MP 927 com a análise do supervisor técnico do DIEESE:

No artigo 1º, devido ao estado de calamidade pública, o governo evoca a hipótese de “força maior”, que segundo o artigo 501 da atual CLT, permite a redução salarial de até 25%, sem correspondente redução da jornada. Com essa medida, inclusive a indenização de 40% dos depósitos do FGTS por dispensa por justa causa em decorrência de fechamento da empresa deverá ser paga pela metade.

O governo vem sinalizando para a complementação dos salários dos trabalhadores que tiverem redução por parte de suas empresas, mas ainda não foi publicada nenhuma medida concreta sobre o assunto.

Acordos individuais entre patrões e empregados estarão acima das leis trabalhistas ao longo do período de validade da MP para "garantir a permanência do vínculo empregatício", desde que não seja descumprida a Constituição.

Através de decisão unilateral da empresa, avisando ao trabalhador em apenas 48 horas (a CLT exige 30 dias), e com postergação do pagamento do adicional para 20 de dezembro. A MP permite inclusive que férias futuras venham a ser antecipadas, mesmo que não se tenha completado o período aquisitivo. O objetivo é reduzir os custos que o empregador teria em manter o emprego durante o tempo de calamidade.

Dispensando a comunicação ao sindicato, retirando o limite máximo de dois períodos por ano e sem a garantia de duração mínima de 10 dias.

Poderá ser estabelecido por acordo individual ou coletivo para compensação em prazo ampliado de até 18 meses, a partir do encerramento do período de calamidade (até metade de 2022), com compensação de horas definidas exclusivamente pelo empregador. Atualmente o prazo para compensação é de seis meses.

Poderá ser adotado a juízo do empregador, independentemente de existir acordo individual ou coletivo prévio a respeito. O empregador não terá a obrigação de adotar o teletrabalho mesmo quando a situação epidêmica colocar em risco a saúde dos empregados.

Suspensão de exames médicos ocupacionais (exceto os exames médicos demissionais) e treinamentos periódicos e eventuais estabelecidos em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho. A MP não traz nada sobre obrigações para o empregador no que tange a prevenção do contágio e propagação do coronavírus no ambiente de trabalho.

Adiamento do pagamento do FGTS de março, abril e maio pelas empresas, para pagamento parcelado em seis vezes a partir de julho.

Prorrogação mediante acordo individual escrito e possibilidade de que esses trabalhadores, quando trabalhem em turnos, possam ter jornadas de 12hx12h, a compensar posteriormente em banco de horas.

Será prorrogado por mais 90 dias além da vigência estabelecida, a critério exclusivo do empregador.

Suspensão por seis meses, exceto para violações extremamente graves como o trabalho sem registro, o trabalho infantil ou análogo à escravidão.

Mesmo para os trabalhadores contaminados da área de saúde ou de atividades que não podem ser paralisadas. O trabalhador deverá provar que adoeceu por causa de conduta empresarial, o que é especialmente difícil em tempos de pandemia.

Dispensa da participação das entidades sindicais laborais no estabelecimento das ações pelas empresas, tornando notório o desprezo do governo a qualquer processo de negociação entre empresas e sindicatos, o que enfraquece o lado dos trabalhadores nesse momento agudo de crise.